Rede Embrapa Gado de Leite-ATER para o compartilhamento de tecnologias e experiências em bovinocultura de leite

O Brasil se destaca no mundo na produção de alimentos, fibras e bioenergia. Os seis biomas presentes no território nacional (Pampa, Mata Atlântica, Pantanal, Cerrado, Caatinga e Amazônia), permitem cultivar as mais diversas espécies vegetais e criar quase todos os animais domésticos. Esta característica exige, em contrapartida, um enorme volume de conhecimentos e tecnologias para atender às solicitações específicas dos produtores de cada bioma que, por sua vez, refletem as expectativas do mercado consumidor. Desta forma, os técnicos da assistência técnica e extensão rural do país são desafiados diariamente com diferentes demandas de produtores, o que requer uma busca constante por informações confiáveis e atualizadas, produzidas por universidades e centros de pesquisa públicos e privados. Essa necessidade constante de conhecimentos variados exige uma aproximação entre consumidores, produtores, técnicos da extensão rural e pesquisadores, o que já existiu no passado do país. 

A extensão rural surgiu pela primeira vez no Brasil em 1948 com a criação da Associação de Crédito e Assistência Rural (ACAR), a partir da parceria entre a instituição privada American International Association e o governo de Minas Gerais, a exemplo do sucesso desse serviço nos Estados Unidos. Ainda que este modelo tenha recebido críticas (Mauro Márcio Oliveira, 1999, As circunstâncias da criação da extensão rural no Brasil), naquele momento outros estados também criaram entidades de extensão rural. E, para coordenar e fortalecer estas iniciativas, o governo federal criou, por meio do Decreto nº 75.373 de 14/02/1975 (Marcus Peixoto, 2008, Extensão rural no Brasil: uma abordagem histórica da legislação), a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural – Embrater.

Nos dias de campo, os participantes acompanham a demonstração de uma prática ou técnica validada pela pesquisa. Foto: William Fernandes Bernardo

Com a extinção da Embrater (Decreto No 99.192 de 15/3/1990), a responsabilidade e os recursos financeiros da assistência técnica e extensão rural (ATER) passaram exclusivamente para os estados, gerando um relaxamento do elo pesquisa-extensão que ainda vinha se estruturando. Apesar do esforço para apoiar a continuidade das instituições de ATER, os recursos estaduais em geral eram insuficientes para garantir estrutura física (veículos, equipamentos, escritórios) e de funcionários adequada para atendimento de qualidade aos produtores rurais. Assim, desde 1990 até os dias atuais, as empresas estaduais de extensão rural têm buscado meios de se manterem ativas e eficientes. Entretanto, ao analisar estes últimos trinta e quatro anos, percebe-se que a articulação e os recursos destinados a esse serviço nos estados têm sido insuficientes, o que reduz a disponibilidade e a qualidade do atendimento prestado aos produtores do país, especialmente nas regiões Norte e Nordeste.

Desde então, várias iniciativas surgiram no país para reaproximar os três atores: a pesquisa, a extensão rural e o produtor. Foi neste ambiente que a Embrapa Gado de Leite e as instituições de ATER de alguns estados se uniram em parcerias formais para a troca informações, tecnologias e experiências. A pesquisa se beneficia pelo fato de conhecer as demandas mais importantes dos produtores trazidas pelo extensionista, bem como este técnico de ATER ganha pelo acesso mais rápido e qualificado às inovações tecnológicas geradas pela pesquisa. O produtor tem o benefício de receber uma assistência técnica mais especializada em bovinocultura de leite, respondendo melhor às necessidades de sua propriedade. E durante os dias de campo e palestras, o pesquisador, o extensionista e o produtor encontram-se para discutir os problemas práticos e de alcance regional. 

A Rede atualmente é formada por quatro empresas estaduais de assistência técnica e extensão rural: Emater-Rio, Emater-MG, Agraer (Mato Grosso do Sul) e Incaper (Espírito Santo). Outras três entidades estaduais das regiões Norte e Nordeste estão em fase de negociação para a celebração de novos contratos de cooperação técnica. Para organizar as atividades anuais da parceria, são estruturados planos de trabalho com ações, prazos, públicos-alvo e responsabilidades de cada parceiro. As atividades envolvem um canal para comunicação de conhecimentos e tecnologias, a instalação e acompanhamento de Unidades de Referência Tecnológicas (URTs) para divulgação aos produtores de tecnologias já consolidadas, cursos de atualização aos técnicos da extensão rural, avaliação de tecnologias por meio de Unidades de Observação (UO) e captação de demandas dos produtores para a realização de novas pesquisas.

Como resultado da Rede, de 2019 a 2023, apesar da pandemia, houve cursos presenciais com 135 participantes e cursos EAD da Embrapa para 1.079 profissionais das quatro entidades parceiras. E, no mesmo período, houve 32 dias de campo com a participação de 6.957 pessoas (técnicos, produtores e estudantes de ciências agrárias). Além disso, a cooperação ainda realizou lives, impressão e distribuição de cartilhas técnicas para produtores. 

A Embrapa, as empresas estaduais de extensão rural e outras parceiras apresentam os temas de maior relevância aos produtores da região. Foto: Walter Coelho P. M. Junio

Nos dias 13 de 14 de dezembro de 2023 foi realizado na sede da Embrapa Gado de Leite em Juiz de Fora/MG o “Workshop de Extensão Rural: novas perspectivas e compartilhamento de experiências”, com participantes da Rede Embrapa Gado de Leite-ATER e um representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). O workshop foi dividido em três momentos: i) apresentações conceituais a respeito da extensão rural; ii) relatos das ações em parceria realizadas em cada entidade no ano de 2023, e; iii) elaboração de uma agenda de atividades para 2024. As duas primeiras etapas do workshop foram transmitidas pelo Youtube em link restrito às entidades parceiras, registrando mais de 500 participantes online.

A Rede de pesquisa-extensão-produção agropecuária não nasce, portanto, de uma iniciativa criada com o propósito de substituir ou se equiparar ao escopo da Embrater ou Anater, mas surge para cobrir uma pequena fração da extensa demanda nacional por tecnologia agropecuária: a bovinocultura de leite.

Ainda em sua fase inicial, essa Rede abre portas para instituições de ATER de outros estados interessadas em participar desta iniciativa. Como orientação conceitual, pode seguir muitos caminhos, como a dialogicidade e conscientização (Paulo Freire, 1983, Extensão ou comunicação?), pluriatividade (Sérgio Schneider, 2003, A pluriatividade na agricultura familiar), conhecimento/escolha/liberdades substantivas (Amartya Sen, 2010, Desenvolvimento como liberdade), etnociência e ciência compartilhada (France Maria Gontijo Coelho, 2014, A arte das orientações técnicas no campo). Pode, ainda, atuar mais fortemente em soluções para a cadeia produtiva do leite visando importantes temas, como a inclusão social, sustentabilidade ambiental e alimentação saudável. 

Websten Cesário da Silva
William Fernandes Bernardo
Fábio Homero Diniz
Embrapa Gado de Leite