Estudos realizados pela Embrapa na região Serrana Fluminense apontam que o lúpulo pode ser beneficiado pela ação de bactérias e fungos encontrados na natureza. A exemplo de outras culturas em que os produtores já utilizam bioinsumos para potencializar a produtividade, experimentos com mudas inoculadas com a bactéria Azospirillum possibilitaram aumento de 52% de biomassa na parte aérea da planta.
“Nossa perspectiva é obter um bioinsumo que estimule a produção de mudas mais vigorosas, com menor tempo de viveiro e que reflitam em benefícios em relação à produtividade e, quem sabe, até na qualidade sensorial do lúpulo”, explica o pesquisador Gustavo Xavier, da Embrapa Agrobiologia (Seropédica, RJ). O trabalho é uma das frentes da Rede de Fomento à Cultura do Lúpulo na região Serrana Fluminense (Rede Lúpulo), formada em 2016 como um esforço entre várias instituições para criar condições para o estabelecimento da cultura no país, começando pelo Rio de Janeiro.
No Viveiro Ninkasi, localizado em Teresópolis, RJ, o primeiro reconhecido pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) para produção de mudas de lúpulo no Brasil, pesquisadores testaram bactérias e fungos que, reconhecidamente, têm a função de promover o crescimento de plantas. A pesquisa também avaliou o uso de substratos como o gongocomposto (substrato produzido por gongolos), e observou-se um incremento de 50% em relação ao substrato comercial. Na busca por um manejo do lúpulo adequado ao solo e clima da região, os pesquisadores reuniram uma equipe multidisciplinar, que analisa desde o uso de microrganismos na produção de mudas até o controle biológico de pragas de doenças na cultura.
Retomada histórica
A primeira tentativa de produção de lúpulo em território nacional foi registrada na Revista Agrícola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, em 1869, pelo comendador Pereira Bastos, com 159 plantas. Naquele período, foram registrados resultados positivos na Fazenda Normal, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Apesar do sucesso inicial, o calor e a seca na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1881, dizimaram o cultivo, encerrando a iniciativa local.
Quase 150 anos depois, a tentativa agora tem dado resultados positivos na região Serrana do Rio de Janeiro, embora com poucos registros científicos que possam balizar as orientações quanto ao manejo adequado da planta. “Como cada pesquisador analisa o experimento dentro da sua área de conhecimento, ele fica robusto, com várias avaliações, o que é um grande benefício para a cultura”, pontua Orivaldo Saggin Jr., especialista em fungos micorrízicos.
A pesquisadora Norma Rumjanek explica que os conhecimentos do microbioma associado com plantas vêm ganhando destaque e podem revelar novas oportunidades tecnológicas. “O objetivo é otimizar os benefícios dos processos microbiológicos que envolvem a planta, os microrganismos e o ambiente”, relata, ao explicar que a intenção é avaliar diferentes dosagens do inoculante bacteriano e de substratos nas cultivares mais utilizadas pelos produtores fluminenses. A pesquisa com lúpulo na Serra Fluminense também envolve a identificação da melhor forma de manejo, colheita e pós-colheita, levando em conta as características e necessidades locais.
Desidratação para aumento da vida útil do produto
A equipe técnica da Embrapa Agroindústria de Alimentos estabeleceu um protocolo para seleção e classificação das flores de lúpulo de acordo com critérios de cor. O tempo e a temperatura ideais para desidratação foram preliminarmente definidos após estudos conduzidos na Planta Piloto de Processamento de Alimentos do centro de pesquisa. “Em testes preliminares realizados com cones de lúpulo da variedade Cascade, produzidos em Nova Friburgo, RJ, verificou-se que a desidratação deve ser realizada à temperatura de 40ºC, por um período de 5h30, para preservar as suas qualidades”, afirma a pesquisadora Regina Nogueira.
O produto desidratado foi acondicionado em embalagem tipo PET metalizada, embalado a vácuo e armazenado em local seco. Quando se armazena o lúpulo desidratado a vácuo, sua qualidade pode ser preservada por até um ano se mantido refrigerado (5°C) ou congelado (-15°C), segundo a pesquisadora.
Avaliação de qualidade
Por se tratar de cultivos recentes na região Serrana Fluminense, não havia garantia de que as flores de lúpulo colhidas detinham a qualidade requerida pela indústria cervejeira, de modo a manter a competitividade do produto em relação ao importado. “No que se refere aos aspectos da qualidade da produção, é fundamental conhecer, nas flores de lúpulo produzidas na região, os teores de seus constituintes químicos, especialmente o conteúdo de ácidos orgânicos e óleos essenciais presentes nas variedades de lúpulo”, destaca o pesquisador Marcos Fonseca. A variação de compostos químicos nas plantas se relaciona com fatores genéticos, ambientais e fisiológicos.
O mercado cervejeiro espera teores satisfatórios de alfa e beta-ácidos e de óleos essenciais, os quais irão conferir sabor e aroma à cerveja. Entretanto, havia um desafio a ser superado pela equipe de pesquisa. Para fazer a análise química pelo método oficial, é requerida uma grande quantidade de flor de lúpulo, o que seria inviável para os pequenos produtores. Cada flor de lúpulo fresca pesa cerca de um grama; por isso, seria necessária uma quantidade inviável de flores para a constituição de uma única amostra. Diante dessa demanda, a equipe da Embrapa Agroindústria de Alimentos iniciou estudos para o desenvolvimento de um método próprio para análise cromatográfica de alfa e beta-ácidos em lúpulo, com redução de insumos tanto de amostra e solventes quanto de resíduos gerados.
Os níveis dos constituintes químicos obtidos nas amostras de lúpulo analisadas também têm sido verificados dentro dos parâmetros de qualidade desejáveis pela indústria cervejeira, que atestam a qualidade do produto e consolidam a Serra Fluminense como um ambiente promissor para o cultivo de lúpulo no Brasil.
Mas ainda restam vários desafios técnicos à produção da planta, por ser uma cultura nova no país. “Avanços nas pesquisas precisam ser feitos, visando, entre outros parâmetros, ao aumento da produtividade com concomitante qualidade e menor dependência ao fotoperíodo (período de luminosidade)”, aponta Fernando Samary, da Embrapa. Ele acrescenta que, com a expansão da cultura no Brasil, haverá necessidade de incentivo e implantação de programas de melhoramento que favoreçam a adaptação e o pleno cultivo nas condições brasileiras de solo e clima.

Zoneamento agroecológico
A fim de determinar as melhores áreas para a cultura do lúpulo no Rio de Janeiro, a Embrapa Solos fez o zoneamento agroecológico preliminar do Estado na escala 1:250.000 – importante para determinar a região ideal para o plantio de uma determinada cultura. Como base para o trabalho foi usado o mapa de solos do Estado. Recentemente foi lançado um manual de boas práticas na cultura do lúpulo, disponível gratuitamente no site da Embrapa, e um capítulo aborda o zoneamento.
Esse zoneamento é considerado preliminar porque é necessário elaborá-lo com maior grau de detalhamento. “O ideal seria fazer esse zoneamento pelo menos na escala 1:25.000 ou maior até, que é um trabalho que pode levar até dois anos para ser feito”, pondera o pesquisador da Embrapa, Enio Fraga da Silva. “Quando o zoneamento é na escala de 1:250.000, conseguimos mapear somente uma área de 200 hectares”, detalha o especialista.
Pelo zoneamento, as áreas serranas são consideradas as mais aptas, embora em algumas regiões temperadas com até 14 horas de luminosidade se consiga um bom resultado do lúpulo. “Uma maneira de resolver esse problema em áreas tropicais seria a utilização de iluminação artificial”, revela o cientista. Ele lembra que, para cada real aplicado no levantamento ou caracterização do solo, a sociedade tem um retorno entre R$ 80 a R$ 100.
Transferência de conhecimentos para agricultores
Produtores e técnicos interessados na produção de lúpulo já tiveram a oportunidade de participar de dias de campo e seminários nas cidades de Petrópolis e Teresópolis, onde foram repassados os conhecimentos gerados e adquiridos em seis anos de existência da Rede Lúpulo. Nessas ocasiões, os participantes puderam aprender sobre solos e nutrição das plantas, manejo cultural e fitossanitário, desidratação, qualidade do lúpulo e mercado.
Nos eventos, são apresentadas práticas adequadas principalmente à produção orgânica da cultura, diferencial que os pesquisadores têm buscado para a região. “O que se pretende é validar um sistema de produção para ambientes tropicais e chegar a um lúpulo com qualidade diferenciada, especialmente no que se refere às características de aroma”, esclarece o pesquisador Renato Linhares de Assis.
Lúpulo: características únicas
O lúpulo é o grande responsável pelo aroma e pelo sabor da cerveja, mas é também o insumo mais caro da indústria cervejeira. O produto importado é normalmente vendido em embalagem de 400 gramas, que pode custar até R$ 300. As grandes regiões produtoras de lúpulo no mundo encontram-se no Hemisfério Norte, nas faixas mais frias da América do Norte, Europa e Ásia. Comercializado em grande escala para diversas partes do mundo, o lúpulo passa por um processo térmico de conservação de sua vida útil de até dois anos, chamado peletização. Mas o processo pode alterar o aroma e sabor da cerveja. A produção local pode minimizar isso.
Ana Lucia Ferreira
Embrapa Agrobiologia
Aline Bastos
Embrapa Agroindústria de Alimentos
Carlos Dias
Embrapa Solos
Liliane Bello
Embrapa Agrobiologia