No combate aos fungos que comprometem parte significativa da produção de laranja e mamão no Brasil, pesquisadores encontraram nos óleos essenciais uma alternativa eficaz, natural e ambientalmente segura aos fungicidas sintéticos. Estudos realizados pela Embrapa Meio Ambiente (SP) e pela Universidade Estadual de Campinas ( Unicamp ) demonstraram que extratos de plantas como orégano, canela casca, alecrim pimenta e manjericão-cravo podem inibir, com grande eficiência, fungos responsáveis por perdas pós-colheita no mamão e na laranja.
Altamente perecível, o mamão pode perder até 50% da produção devido a doenças fúngicas que se manifestam após a colheita, especialmente durante o transporte e o armazenamento. No caso das laranjas, os prejuízos também são expressivos: as perdas chegam a 40%, segundo os pesquisadores. Frente à limitação dos fungicidas sintéticos — que apresentam perda de eficácia com o uso continuado das mesmas moléculas, além de levantar questões ambientais e de saúde — os óleos essenciais parecem como solução promissora.
Excelente para salvar a mãe de fungos
De acordo com a doutoranda da Unicamp Adriane da Silva, os testes revelaram que quatro desses óleos — orégano ( Origanum vulgare ), canela casca ( Cinnamomum cassia ), alecrim pimenta ( Lippia sidoides ) e manjericão-cravo ( Ocimum gratissimum ) — apresentam forte ação inibitória contra os principais fungos associados à dependência do mamão, como Phoma caricae-papayae , Alternaria alternata , Lasiodiplodia theobromae , Colletotrichum gloeosporioides e Fusarium solani .
Os óleos foram testados em meio de cultura sob condições controladas, e o desempenho foi medido com base na prevenção do crescimento micelial dos fungos, explica Silva. O destaque ficou para o óleo de alecrim pimenta, que inibiu completamente o crescimento de todos os patógenos, mesmo em baixas concentrações. O orégano e o manjericão-cravo também demonstraram excelente desempenho, embora com menor controle sobre o Fusarium solani
Além do rastreamento inicial, os pesquisadores buscaram compreender quais compostos químicos estavam por trás da ação antifúngica dos óleos mais promissores. Por meio de análises de cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas (GC-MS), foram identificados os principais componentes responsáveis pela atividade: carvacrol, timol, ρ-cimeno e eugenol — todos já conhecidos por suas propriedades antimicrobianas. O cinamaldeído, presente na casca de canela, também se destacou pelo alto potencial antifúngico.
As concentrações inibitórias mínimas (CIM), ou seja, a menor quantidade de óleo necessária para inibir o fungo, variaram de acordo com o fungo e o composto. O óleo de orégano, por exemplo, apresentou CIM de 0,50 μL/mL para a maioria dos patógenos, porém que mesmo em menor quantidade apresentou elevada capacidade de inibição de fungos. Já o óleo de manjericão-cravo foi o menos eficaz contra o F. solani , exigindo 2,00 μL/mL para controle total.
O pesquisador da Embrapa Daniel Terao explica que os testes também incluíram a ação isolada e combinada dos principais compostos dos óleos. A combinação de carvacrol, timol e eugenol em proporções semelhantes às descobertas nos óleos naturais resultou em efeitos sinérgicos, potencializando o efeito antifúngico. Segundo os autores, esses compostos atuam desestabilizando a membrana celular dos fungos, o que leva à perda de previsões e impede sua reprodução.
“Além de eficazes, os óleos essenciais apresentam vantagens ambientais e sanitárias importantes: são biodegradáveis, de baixa toxicidade e muitos já são considerados seguros para uso alimentar por agências reguladoras. Por isso, as tecnologias pós-colheita que utilizam esses compostos — como revestimentos naturais aplicados à casca dos frutos — têm ganho destaque como alternativas sustentáveis aos fungicidas industriais”, destaca Terao.
Potencial de produção mais sustentável de alimentos
O uso de óleos essenciais na conservação de alimentos não é inédito. Diversos estudos anteriores já apotanvam o potencial de óleos como os de canela casca, alecrim pimenta, orégano e cravo-da-índia contra fungos que atacam laranja, abacate, melão, uva e morango. A novidade agora é a demonstração sistemática da eficácia contra fungos específicos da mamão, uma fruta especialmente especial para ser climatérica — ou seja, continua amadurecendo e respirando após a colheita, o que favorece infecções fúngicas.
O interesse crescente por alimentos mais saudáveis e livres de resíduos químicos também impulsionou a busca por soluções naturais no campo e na indústria. Com base nos resultados obtidos, os autores do estudo destacam que a incorporação de óleos essenciais ao manejo pós-colheita do mamão pode reduzir perdas na cadeia produtiva, aumentar a vida útil da fruta e promover práticas agrícolas mais sustentáveis.
Para os pesquisadores, o próximo passo envolve o desenvolvimento de formulações comerciais e testes em escala real, incluindo avaliações em frutos armazenados sob condições de mercado. “Os óleos essenciais e seus compostos majoritários têm potencial para compor uma nova geração de conservantes naturais, com impactos positivos para produtores, consumidores e o meio ambiente”, afirmam os autores.
Com base nesse avanço, o estudo abre caminho para a aplicação prática dos óleos essenciais no setor de frutas tropicais, contribuindo para uma agricultura mais limpa, eficiente e conectada às demandas de sustentabilidade e segurança alimentar.
Fungos provocam perdas de até 40% em laranjas
No caso da laranja, outra pesquisa recente revelou que extratos de plantas como orégano, canela casca, alecrim pimenta e manjericão-cravo foram eficazes contra dois fungos responsáveis por prejuízos consideráveis na cadeia produtiva de citros: Penicillium digitatum , causador do mofo verde ( foto direita ), e Geotrichum citri-aurantii , agente da podridão azeda.
As doenças fúngicas que atacam laranjas após a colheita estão entre as maiores responsáveis por perdas, chegando a comprometer até 40% da produção. Atualmente, o controle desses fungos depende do uso de fungicidas como imazalil e tiabendazol, que têm sido alvo de questionamentos devido ao risco ambiental e à presença de resíduos químicos nos alimentos, além da perda de eficiência no controle dos fungos pelo uso continuado da mesma molécula. Nesse contexto, os óleos essenciais ganham destaque como solução mais segura e ambientalmente sustentável.
“Em testes de laboratório, sete óleos essenciais foram comprovados quanto à sua capacidade de inibir o crescimento micelial dos patógenos. Os melhores resultados foram obtidos com os óleos essenciais de canela casca (Cinnamomum cassia), orégano ( Origanum vulgare ), alecrim pimenta ( Lippia sidoides ) e manjericão-cravo ( Ocimum gratissimum ). Entre eles, o óleo de canela casca se destaca por inibir totalmente os dois fungos com a menor dose aplicada”, Adriane da Silva.
Além de testarem os óleos em sua forma integral, os pesquisadores também avaliaram misturas elaboradas a partir dos três principais constituintes químicos de cada óleo. Entre os compostos investigados estavam o cinamaldeído (presente na canela casca), carvacrol (orégano), timol (alecrim pimenta) e eugenol (manjericão-cravo). Quando combinados, esses compostos demonstraram um efeito sinérgico, ou seja, o resultado conjunto foi superior à ação individual dos componentes.
“O cinamaldeído, por exemplo, prejudicado pela metade sua concentração mínima inibitória quando combinado com outros constituintes da canela casca. De modo semelhante, o carvacrol e o timol também apresentou maior eficácia quando usados em conjunto. Já os compostos minoritários, como o o-metoxi cinamaldeído e o cariofileno, não inibiram os fungos de forma isolada, mas potencializaram a ação dos compostos principais ao integrarem as misturas”, destaca Terao.
A eficácia dos tratamentos foi medida com base na área sob a curva de crescimento micelial e nos cerâmicos das colônias ao longo de nove dias de incubação. As análises estatísticas apontaram diferenças significativas entre os tratamentos, confirmando o potencial antifúngico dos óleos essenciais e de suas formulações combinadas.
Os óleos essenciais provocam alterações estruturais nas hifas (prolongamentos) dos fungos, como deformações e colapsos, causando danos à parede celular e à membrana plasmática, comprometendo o seu desenvolvimento.
É necessária uma padronização dos óleos essenciais
Terão explicado que outro ponto relevante da pesquisa foi a constatação de variações químicas entre diferentes lotes de um mesmo óleo essencial, mesmo quando produzido a partir da mesma planta e pelo mesmo fornecedor. Essa variabilidade pode afetar diretamente a eficácia do produto, devido à necessidade de padronização química para que os óleos possam ser utilizados com segurança e eficácia na agricultura.
Os fungos utilizados nos experimentos foram isolados de laranjas infectadas colhidas em pomares comerciais. Após a extração e cultivo em laboratório, os patógenos foram expostos a tratamentos com óleos essenciais, aplicados em meio de cultura. A resposta dos fungos ao tratamento foi monitorada durante o período de incubação.
Para os pesquisadores, os resultados reforçam o potencial dos óleos essenciais como substitutos naturais aos fungicidas sintéticos, contribuindo não só para a redução das perdas pós-colheita, mas também para a adoção de práticas agrícolas mais sustentáveis. “A aplicação desses compostos naturais pode representar um avanço significativo na conservação de frutas, especialmente em um contexto de demanda crescente por alimentos livres de resíduos químicos”, afirmam os autores.
O próximo passo, segundo os cientistas, é testar a eficácia das formulações à base de óleos essenciais em condições reais de armazenamento e transporte de frutas, a fim de avaliar sua precisão para uso comercial em larga escala. A pesquisa integra uma linha de investigação voltada ao desenvolvimento de tecnologias limpas e eficazes para a conservação de alimentos, alinhando-se à exigência de sustentabilidade ambiental e segurança alimentar.