Citricultores ganham sistema orgânico de produção de lima ácida Tahiti

Especialistas da Embrapa e parceiros desenvolveram mais um sistema orgânico de produção de frutas, o da lima ácida Tahiti, conhecida como limão Tahiti. O sistema orgânico para a produção dessa fruta, uma das principais exportadas pelo Brasil, foi elaborado com base nos experimentos realizados na área da empresa Bioenergia Orgânicos, em Lençóis, na Chapada Diamantina (BA), sendo recomendado para essa região, mas a proposta é que sirva de modelo e possa ser ajustado para outros polos produtivos do país, já que contempla os princípios básicos da produção orgânica.

Os experimentos registraram produtividade de 30 toneladas por hectare (t/ha), no sexto ano, valor superior aos registros da média nacional no modo convencional, em torno de 26 t/ha. O número é bem superior à produtividade média do estado da Bahia, que em 2021 ficou próxima a 12 t/ha (IBGE), o que também pode ser explicado pelo uso de irrigação no trabalho conduzido em Lençóis.

Embora o rendimento seja similar à média brasileira, esse resultado foi comemorado pela equipe de pesquisa, pois representa mais um incentivo ao cultivo orgânico e à sustentabilidade da agricultura brasileira. Há um fator que deve ser ponderado quando se compara o cultivo sob manejo orgânico ao convencional: a não utilização de insumos químicos sintéticos, os quais facilitam a produção.

“Nosso objetivo com esse documento não é obter produtividades muito maiores, mas conseguir desempenho competitivo em relação ao pomar convencional, na base de um sistema orgânico, mais amigável ao meio ambiente e aos trabalhadores”, pontua Eduardo Girardi, pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA), editor técnico do documento com a pesquisadora Ana Lúcia Borges. A publicação reúne um conjunto de informações técnicas sobre cultivares, produção de mudas, calagem, gessagem e adubação, implantação do pomar e plantio, tratos culturais, manejos da irrigação, doenças, nematoides e pragas, além de colheita, beneficiamento, embalagem e mercado. Ao todo assinam o documento 14 pesquisadores da Embrapa, um fiscal agropecuário da Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab) e um sócio da Bioenergia Orgânicos.

A escolha da lima ácida Tahiti

A cultura dos citros foi incluída no projeto em 2014. Girardi destaca que dois preceitos básicos são levados em consideração na hora de se implantar um sistema orgânico: ser uma região preferencialmente livre das principais pragas e doenças da cultura e contar com variedades ou espécies que sejam mais resistentes a essas ameaças fitossanitárias.

“A Chapada Diamantina é livre de várias pragas e doenças complexas da cultura, como o huanglongbing (HLB), causada por bactéria, a morte súbita e a pinta-preta. Isso facilita muito o trabalho, porque implantar sistemas orgânicos onde existem essas doenças é muito mais desafiador. Além disso, entre os citros, que incluem também laranja, tangerina, limão e pomelo, a lima ácida Tahiti é mais resistente a algumas pragas e doenças. É imune, por exemplo, à leprose, causada por vírus, à mancha marrom e à pinta-preta, causadas por fungos e à clorose variegada dos citros, a CVC”. Ela é também menos suscetível ao cancro cítrico, por isso, é uma cultura mais interessante por ser mais fácil de manejar. No orgânico, então, facilita e muito a vida do produtor, tanto é que é uma das fruteiras mais utilizadas nesse sistema de produção no país.

O sócio da Bioenergia Orgânicos, Osvaldo Araújo, um dos autores, acrescenta que foi adotada uma série de cuidados, já que se trata de cultura sensível ao clima e requer condições específicas para um bom desenvolvimento. As variações de temperaturas muito baixas ou muito altas podem afetar negativamente o crescimento e a produção. “A região costuma apresentar variações climáticas, com períodos de chuva intensa e outros secos. Foi necessário implementar um sistema de irrigação adequado para fornecer água de forma regular e controlada e monitorar a umidade do solo, pois tanto o excesso quanto a falta prejudicam o ciclo da cultura”, completa.

Variedades avaliadas

O pesquisador João Roberto Oliveira, que conduziu as atividades, conta que foram avaliados 16 porta-enxertos – variedades que correspondem à parte radicular da planta de citros –, em sua maioria novos híbridos em desenvolvimento, em combinação com a copa (parte aérea da planta de citros) CNPMF-02, recomendada pela Embrapa e amplamente adotada na Bahia, no espaçamento de plantio de 7,0 metros x 3,0 metros.

“Pudemos verificar a importância do porta-enxerto. Em função dele, a planta se desenvolvia de forma diferente. Tamanho do fruto, qualidade do fruto em relação à casca, quantidade de frutos por planta, desenvolvimento da copa – quanto menor, mais fácil a colheita –, enfim, tudo isso são fatores importantíssimos na produção, não só de lima ácida, mas de qualquer produto. E vimos que os porta-enxertos que se destacaram mais foram os citrandarins Riverside, Indio e San Diego, o limoeiro Rugoso Maranhão, além dos híbridos BRS Victoria e HTR – 010”, conta Oliveira.

O documento do sistema de produção traz o resultado dos experimentos na Chapada Diamantina e também dados gerais dos porta-enxertos comerciais mais utilizados para a limeira ácida Tahiti no País. Os porta-enxertos devem ser adaptados às condições ambientais da região em que serão utilizados, tolerantes a doenças, e indutores de alta produtividade e qualidade de frutos. A publicação indica que, como não existe um único porta-enxerto capaz de atender completamente a todas essas condições, os pomares devem ser planejados de modo a diversificar os porta-enxertos, contribuindo para a sustentabilidade da cultura, e descreve os mais utilizados em geral pela citricultura brasileira.

Preparo e manejo do solo

A base do sucesso da produção em sistema orgânico é o preparo do solo, o qual deve ser manejado adequadamente, com redução do revolvimento e manutenção da cobertura vegetal (viva ou morta). A publicação enumera as principais exigências da limeira ácida Tahiti, que se adapta bem a diversos solos. Os mais indicados para o seu cultivo são os de textura franco-arenosa a franco-argilosa, com boa aeração, profundos e sem impedimentos de ordem física. Em Lençóis, a limeira ácida Tahiti vem apresentando bom desenvolvimento sob produção orgânica em uma área irrigada e adequadamente manejada sobre um latossolo, naturalmente muito pobre em nutrientes.

“Primeiro fizemos a calagem e gessagem com base na análise química para corrigir o solo e depois entramos com as plantas melhoradoras, cuja finalidade é condicionar uma boa estrutura do solo e aumentar o teor de matéria orgânica. Implantamos coquetéis vegetais compostos por leguminosas, como feijão-de-porco, mucuna-preta e crotalária júncea, e gramíneas, como milheto e sorgo forrageiro, que demonstraram excelentes desenvolvimentos vegetativos”, conta Ana Lúcia Borges.

Segundo a pesquisadora, um dos grandes problemas do cultivo das fruteiras orgânicas em solos pobres em nutrientes é a questão do potássio. “A fonte de potássio permitida no sistema orgânico, o sulfato de potássio, obtido por procedimentos físicos, é importada e, por isso, tem um custo alto. No documento, apontamos algumas alternativas de baixo custo, como cinzas de madeira e estercos e também as espécies vegetais, como as leguminosas e gramíneas. Soluções adequadas para pequenas áreas, para o agricultor familiar”, destaca.

A importância das mudas sadias

O sistema de produção preconiza que mudas sadias são fundamentais para que a atividade seja iniciada com pleno potencial de alcançar sucesso e recomenda somente mudas produzidas em ambiente protegido. As mudas podem ser adquiridas de viveiros comerciais ou produzidas em viveiro do próprio citricultor, como fez a Bioenergia.

“A lima ácida Tahiti é uma cultura muito delicada. Tivemos que produzir as mudas internamente em estufa com telado antiafídeo com orientação e supervisão dos pesquisadores da Embrapa”, complementa Araújo.

Desafios fitossanitários

O maior desafio para implantação de um sistema orgânico é o controle de pragas e doenças, tendo em vista a impossibilidade de uso de defensivos químicos. É preciso haver o manejo da vegetação natural, o manejo nutricional e o monitoramento populacional constante das pragas e dos inimigos naturais. Nas condições de Lençóis, o primeiro problema foram as formigas cortadeiras.

“Testamos e validamos um produto registrado no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) para agricultura orgânica. Passamos mais de um ano testando, ajustando principalmente a parte de como aplicar a isca granulada à base de extrato natural de Tephrosia candida, matéria-prima desse produto biológico utilizado para controle de formigas cortadeiras. E foi um sucesso”, relata o pesquisador Antonio Nascimento.

Ele diz que foi desenvolvida uma calda saponificada, formada por álcool etílico, soda cáustica e óleo vegetal, que funcionou bem para diferentes pragas, não só na limeira ácida Tahiti como em outras culturas. O documento traz informações e fotos sobre como preparar a calda.

O pesquisador salienta ainda a importância do monitoramento constante no controle de pragas e doenças. “A questão da aplicação de produtos orgânicos requer uma frequência maior. Em vez de aplicar de mês em mês, é preciso aplicar de 15 em 15 dias; em alguns casos, semanalmente”, diz Nascimento.

O sistema traz informações sobre as principais pragas e doenças da cultura, não só as identificadas na região da Chapada Diamantina, e suas formas de controle, manejo de nematoides, doenças e desordens fisiológicas.

Alessandra Vale

Embrapa Mandioca e Fruticultura