Agricultura familiar na Constituição

Por: Elvino Bohn Gass, deputado federal

A Agricultura Familiar reúne cerca de quatro milhões de empreendimentos produtivos no Brasil e contribui com parcela significativa de empregos associados às atividades agropecuárias, artesanais e agroindustriais no campo ou na cidade. Agricultura familiar emprega mais, tem menor impacto ambiental e garante mais protagonismo às mulheres. Estamos falando de lavoura, mas, também, de pecuária, pesca, aquicultura e extrativismo. De povos e comunidades tradicionais, de indígenas e quilombolas. Um manancial populacional e produtivo que é absolutamente estratégico na medida em que a segurança alimentar do país depende, 70%, dele.

A produção familiar está presente em todas as regiões e biomas do Brasil, país com enorme diversidade de culturas. Daí que a produção familiar também é muito diversa. Tal característica confere multifuncionalidade à nossa agricultura familiar, permitindo-lhe enorme dinamismo econômico, além da capacidade de adaptação a diferentes conjunturas sociais, políticas e econômicas. Muito além da batata, do feijão, das hortaliças, do leite, há o turismo rural, as agroindústrias, os biocombustíveis e uma gama de produtos que vão do mel puro às geleias. Das fibras naturais aos cosméticos. Das bebidas ao artesanato. Das flores às ervas medicinais. E muito, muito mais.

Como atividade que produz, prioritariamente, alimentos (mas não só) para consumo direto da população, e que utiliza, predominante, mão de obra dos membros da família, a agricultura familiar é uma geradora de emprego e renda cuja função social, além de estratégica na garantia de comida, também o é como espaço econômico que organiza e confere dignidade a uma grande parcela da sociedade.

Mas, embora haja consenso público sobre a pertinência da agricultura familiar, politicamente ela ainda carece de representação. Um rápido olhar sobre o Congresso Nacional mostra que o número de parlamentares ligados ao agronegócio empresarial é muito superior ao de deputados/as e senadores/as que têm a defesa e o apoio à agricultura familiar como eixos centrais de seus mandatos.

Marco civilizatório do país, a Constituição Federal de 1988 conferiu a diversos segmentos da sociedade brasileira, avanços políticos e visibilidade. Mas, ao não tratar das singularidades da agricultura familiar, os constituintes acabaram por não dar a essa atividade, sua devida importância. Faltou aos nossos constituintes, compreender que produtores rurais não são iguais em suas características.  E que, então, as políticas públicas precisam verificar esta condição e aprofundar sua formulação para dar conta das diferentes demandas impostas por cada segmento.

Só nos anos 2000, com a eleição de um grupo político que tinha raízes na pequena propriedade rural e um acúmulo ideológico capaz de compreender sua real dimensão, foi que a agricultura familiar passou a ser considerada como prioridade do governo federal. Entenda-se como prioridade a elaboração e o acesso a políticas públicas de financiamento e seguro da produção, comercialização, assistência técnica e extensão rural, desenvolvimento territorial, de inclusão para a juventude rural, para a igualdade de gênero, raça e etnia.

Bastou, contudo, que este grupo deixasse o poder e as políticas específicas praticamente desapareceram ou passaram a ser executadas como nos tempos anteriores, com recursos escassos e nenhuma notoriedade. Mesmo ações muito bem sucedidas como o Programa de Aquisição de Alimentos, foram abandonadas.

Isto não teria acontecido se as políticas específicas para a agricultura familiar estivessem devidamente registradas na Constituição Federal como ações obrigatórias do Estado brasileiro. Sim, garantir uma agricultura familiar pujante deve ser política de Estado, não apenas deste ou daquele governo.

Foi com este intuito de reconhecer, formal e oficialmente, a produção familiar como uma atividade essencial e estratégica, tanto social quanto economicamente para o Brasil, que apresentei à Câmara dos Deputados o Projeto de Emenda à Constituição 357/2017. É uma proposta simples na forma: inclui parágrafo 3º no Art. 187 na Constituição Federal, para assegurar a formulação de políticas especificas para a agricultura familiar. Isto, por certo, não confere a nenhum governo, vontade política para fomentar esta atividade, mas colabora em grande medida, para que nunca mais milhões de brasileiros voltem a passar a fome.