“Nossa meta é expandir a oferta de alimentos, aumentar a disponibilidade de produtos alimentares e contribuir para o controle da inflação dos preços dos alimentos. O grande desafio que enfrentamos é assegurar que as áreas rurais permaneçam habitadas e dinâmicas”, diz o secretário de Agricultura Familiar, Vanderley Ziger
O secretário de Agricultura Familiar e Agroecologia, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Vanderley Ziger, que assumiu a pasta em maio de 2024, concedeu uma entrevista ao Anuário Brasileiro da Agricultura Familiar, quando falou sobre a importância da agricultura familiar para o país, comentou à respeito dos desafios e ações de fortalecimento do setor. Também abordou sobre o sistema de produção agroecológico e as políticas públicas de incentivo.
Anuário: Como a Secretaria tem auxiliado os agricultores familiares?
Vanderley Ziger: A Secretaria da Agricultura Familiar e Agroecologia desempenha um papel extremamente estratégico, coordenando programas fundamentais para o fortalecimento da agricultura familiar. Entre os programas mais estruturantes sob nossa responsabilidade estão aqueles voltados para o crédito, assistência técnica e inovação. Destacam-se, ainda, o Selo Biocombustível Social, o programa Garantia-Safra e o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro). Dessa forma, a Secretaria é responsável por uma série de políticas que são intrinsecamente ligadas ao desenvolvimento e sustentabilidade da agricultura familiar.
Anuário: Quais as competências da Secretaria de Agricultura Familiar e Agroecologia?
Vanderley Ziger: Cabe à Secretaria da Agricultura Familiar estabelecer as diretrizes para o sistema de Ater, incentivando a rede de assistência técnica, tanto pública quanto privada, a se orientar para alcançar uma Ater universalizada. No que tange ao crédito, é a SAF que lidera a formulação das ações, coordena a elaboração do plano, conduz os processos de escuta e propõe inovações para o Plano Safra da Agricultura Familiar. Além dos programas mencionados, a SAF é responsável por estimular, coordenar e impulsionar avanços em diversas outras iniciativas dentro da agenda da agricultura familiar.
Anuário: Quais as principais ações para fortalecer o setor?
Vanderley Ziger: Uma das principais iniciativas que temos implementado para fortalecer a agricultura familiar é, primeiramente, reconhecer e considerar as diversas diferenças regionais, territoriais, culturais e sociais que caracterizam o setor. É imperativo desenvolver políticas que sejam adequadas às especificidades de cada região, evitando modelos padronizados. Esse é o primeiro desafio: incorporar uma perspectiva regionalizada em nossas ações.
O segundo aspecto crucial é a integração das políticas. Avançamos significativamente ao compreender que as políticas voltadas à agricultura familiar não devem ser isoladas ou fragmentadas, mas sim interconectadas, formando um conjunto coeso e eficaz.
Por fim, o terceiro desafio é assegurar que a agricultura familiar seja capaz de produzir, preservar e restaurar simultaneamente. Isso exige uma agenda ambiental alinhada ao desenvolvimento sustentável. Precisamos intensificar nossos esforços para promover um sistema de produção que garanta a continuidade da atividade agrícola e, ao mesmo tempo, a proteção e recuperação do meio ambiente, especialmente em áreas onde a degradação ambiental já é significativa.
Anuário: Como promover o desenvolvimento rural sustentável?
Vanderley Ziger: A promoção do desenvolvimento rural sustentável está intrinsecamente ligada à atuação da Secretaria de Agricultura Familiar e Agroecologia (SAF) e das demais secretarias do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). Essas entidades desempenham um papel fundamental ao fomentar discussões sobre uma nova agenda agroalimentar, um conceito que integra aspectos socioeconômicos a um modelo de produção mais estruturado, voltado para a ampliação da oferta de alimentos. Esse enfoque permite o fortalecimento e a consolidação das estruturas dos assentamentos da reforma agrária, dos povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares consolidados.
Para alcançar esses objetivos, destaco fatores cruciais. O primeiro é a consolidação dos modelos tradicionais de agricultura familiar. Atualmente, existem diversas formas de tipificar a agricultura familiar, cada uma com suas próprias características. É essencial reconhecer que, para cada tipo de agricultura familiar, são necessárias políticas específicas e direcionadas.
O segundo aspecto a ser considerado é a existência de uma agricultura familiar que foge ao modelo convencional, manifestando-se em diferentes formatos, como aqueles desenvolvidos por povos e comunidades tradicionais, bem como nos assentamentos da reforma agrária, que em sua maioria ainda necessitam de maior consolidação e estruturação. Além disso, é preciso reconhecer uma nova realidade da agricultura urbana e periurbana.
Diante desse conceito ampliado de agricultura familiar, é imperativo compreender que não estamos tratando de uma única política ou modelo, mas de uma multiplicidade de abordagens. Portanto, é crucial reconhecer essa diversidade para desenvolver uma política pública que seja a mais adequada e eficaz possível.
Anuário: Quais os principais desafios?
Vanderley Ziger: Dentre os diversos desafios que enfrentamos, a Secretaria de Agricultura Familiar (SAF) deve estar conectada com as demais secretarias, alinhando-se ao plano estratégico do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e dialogando de forma eficaz com outros ministérios do governo. Nosso maior desafio é conceber e implementar políticas públicas que sejam duradouras, consolidadas além dos ciclos governamentais.
Nesse contexto, a SAF está profundamente comprometida com a construção de uma nova agenda agroalimentar. Nossa meta é expandir a oferta de alimentos, aumentar a disponibilidade de produtos alimentares e contribuir para o controle da inflação dos preços dos alimentos. O grande desafio que enfrentamos é assegurar que as áreas rurais permaneçam habitadas e dinâmicas. Essa concepção de ruralidade transcende a produção, preservação e restauração; ela abrange a presença dos agricultores familiares, a juventude e as questões de sucessão familiar. Valoriza as mulheres, os povos e comunidades tradicionais, além de reconhecer os saberes populares envolvidos nos sistemas de troca de conhecimento.
Esses são os desafios que enfrentamos ao buscar uma agricultura inovadora. No âmbito da nossa secretaria, destacamos a diretoria de Agroecologia, que desempenha um papel transversal em toda a nossa agenda. Nosso compromisso é produzir alimentos saudáveis e colocar a transição agroecológica como um tema central e prioritário, sempre considerando a necessidade de modernizar as propriedades rurais.
Anuário: Qual a importância econômica do setor para o desenvolvimento da economia no país?
Vanderley Ziger: A importância econômica do setor agrícola para o desenvolvimento do país é indiscutível, especialmente pelo papel essencial que a agricultura familiar desempenha na maioria dos nossos municípios. Estamos nos referindo a municípios que, em sua grande maioria, possuem menos de 50 mil habitantes, caracterizando-os como rurais. Nessas regiões, a economia é impulsionada pelos minifúndios, pelas pequenas propriedades e pelos assentamentos da agricultura familiar. A ausência ou diminuição da agricultura familiar desses municípios resultaria em um comprometimento significativo do desenvolvimento econômico destes territórios.
Além disso, enquanto a agricultura empresarial se concentra na produção voltada para exportação, a agricultura familiar desempenha o papel fundamental de garantir o abastecimento de alimentos na mesa dos brasileiros. Isso evidencia a necessidade imperativa de manter e ampliar os incentivos e programas governamentais que fortaleçam nosso setor.
Outro aspecto crucial é o papel da agricultura familiar como motor econômico na geração de trabalho e renda nos pequenos municípios. Centenas ou milhares de famílias que vivem nessas localidades não apenas produzem alimentos, mas também desempenham um papel vital na preservação e restauração ambiental, quando necessário. Esse modelo de agricultura minifundiária cria uma conexão sólida entre o rural e o urbano, promovendo não apenas relações econômicas, mas também laços culturais e sociais que integram campo e cidade. Portanto, é essencial continuar a apoiar e incentivar esse setor vital para o país.
Anuário: Como está hoje a questão da agroecologia no país?
Vanderley Ziger: A agroecologia é atualmente um tema de grande relevância na agenda governamental, refletindo a crescente importância de modelos de produção sustentáveis. Trata-se de práticas agrícolas que não apenas respondem a uma demanda social cada vez mais forte, tanto no Brasil quanto em nível global, por sistemas de produção mais resilientes, mas que também se tornam cada vez mais urgentes frente às catástrofes climáticas que estamos enfrentando em nosso país.
É fundamental desenvolver e financiar modelos estruturados que garantam a produção e a produtividade, que mantenham a agricultura familiar ativa no campo, que assegurem a sucessão geracional e, acima de tudo, que resultem em alimentos limpos e saudáveis. Ao produzir alimentos saudáveis, prestamos dois grandes serviços: primeiro, tornamos a produção mais eficiente e de menor custo, ao mesmo tempo em que contribuímos para a preservação ambiental; segundo, ao investir em uma alimentação saudável, reduzimos a necessidade de gastos na área da saúde, dado que a alimentação é a base da saúde pública.
Esse é um tema de extrema importância, especialmente quando consideramos que, ao mesmo tempo em que observamos uma redução no consumo de alimentos orgânicos e in natura, há um aumento no consumo de ultraprocessados. De certa forma, estamos nos distanciando do ideal, e é crucial que a política pública esteja atenta a essa tendência.
Anuário: Quais políticas públicas e ações que incentivam a produção agroecológica no Brasil?
Vanderley Ziger: A Secretaria de Agricultura Familiar e Agroecologia tem direcionado suas políticas para o fortalecimento e ampliação da produção de alimentos adequados e saudáveis em diferentes biomas e regiões do Brasil, abrangendo desde a produção certificada como orgânica até processos de transição agroecológica. Dentre as principais políticas de incentivo, destacam-se a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, o financiamento de custeio e investimento agrícola por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), com seguro associado (SEAF), e o Programa Nacional de Pesquisa e Inovação para a Agricultura Familiar e Agroecologia.
No campo da comercialização, a produção orgânica e de base agroecológica tem sido escoada por diversos canais. Uma parte significativa dessa produção é vendida em feiras locais, diretamente aos consumidores, especialmente nos centros urbanos. Outra parcela expressiva é comercializada através das políticas de compras institucionais do governo federal, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
Além disso, cooperativas de consumo, pequenas redes familiares de varejo local e pontos de distribuição especializados em produtos “saudáveis” nos centros urbanos são espaços que ampliam a capacidade de negociação de grupos de produtores e agricultores, podendo se tornar componentes essenciais de circuitos locais de comercialização.
Atualmente, estamos em uma fase de discussão sobre o Plano Nacional de Produção Orgânica (Planapo) e, simultaneamente, sobre o incentivo, apoio e as diretrizes do MDA para o Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos (Pronara). Trata-se de um tema central, que precisa ser enfrentado com a devida maturidade. Tanto o MDA quanto a Secretaria da Agricultura Familiar têm a responsabilidade de apoiar essa discussão, construir argumentos sólidos e utilizar as instâncias do governo para promover não apenas a conscientização sobre o consumo sustentável, mas também para incentivar um modelo de produção igualmente sustentável.
Anuário: Quais estados se destacam na produção agroecológica no Brasil?
Vanderley Ziger: O ponto central é identificar os estados que atualmente se destacam na promoção da agroecologia, muitos dos quais implementaram políticas estaduais de incentivo. Entretanto, ainda enfrentamos desafios significativos nesse campo, que precisam ser superados pelos governos federal, estaduais e municipais. O primeiro passo crucial é a redução do uso de agrotóxicos. Para avançar na produção orgânica e agroecológica, é necessário adotar uma postura firme e incentivar essa redução.
Além disso, as novas variedades de sementes e plantas e os bioinsumos representam outro desafio. Para minimizar o impacto ambiental e construir políticas públicas adequadas, é essencial oferecer alternativas viáveis aos agricultores. Se queremos uma política eficaz de redução de agrotóxicos e agroquímicos, também precisamos garantir que os agricultores tenham acesso às condições adequadas para adotar novas alternativas. Isso inclui o desenvolvimento de novos materiais genéticos para sementes mais resistentes e o uso de bioinsumos que gradualmente substituam os insumos convencionais.
Por fim, é essencial criar mecanismos que facilitem o acesso aos mercados, incluindo campanhas que destaquem a importância dos produtos agroecológicos limpos. Essas iniciativas não apenas reduzirão o uso de agrotóxicos, mas também promoverão a conscientização e a sensibilidade das pessoas, incentivando-as a escolher produtos mais saudáveis.

Anuário: E quais os principais alimentos produzidos dessa forma?
Vanderley Ziger: A produção de base agroecológica da agricultura familiar tem como premissa a produção diversificada e adaptada aos diferentes territórios e culturas que estão inseridas. Nesta perspectiva há uma diversidade de hortaliças, frutas e tubérculos, além de grãos, produtos da floresta, açaí, cacau e castanha-do-brasil, mel e algodão.
Anuário: Qual expectativa para a agroecologia para 2025?
Vanderley Ziger: A principal agenda para 2025 é a aprovação do Plano Nacional de Produção Orgânica (Planapo). Esta aprovação será um marco significativo, pois estabelecerá as bases para um programa nacional que inclui o Pronara. A aprovação do Planapo é esperada com grande entusiasmo, pois servirá como alicerce para a agroecologia no Brasil.
Um ponto crucial é a necessidade do Ministério da Agricultura (MDA) de estimular as diversas realidades da produção agroecológica no país. Muitas vezes, essa produção está distante dos grandes centros consumidores, o que apresenta um desafio adicional: além de fomentar a produção, assegurar que esses produtos cheguem a toda a população. Atualmente, produtos orgânicos e agroecológicos ainda não são acessíveis a todos os brasileiros, exigindo um esforço contínuo para superar essa barreira.
Esses desafios e expectativas estão interligados com a discussão orçamentária em andamento. É fundamental garantir recursos adequados para implementar essas políticas de forma eficaz. Sem o financiamento apropriado, uma política tão ampla e importante pode não sair do papel. Portanto, é essencial que o governo e o MDA, em sintonia com o compromisso do ministro Paulo Teixeira, avancem nesses pontos, consolidando as bases para um modelo sustentável economicamente e adequado ambientalmente, com inclusão e justiça social no rural brasileiro.