Fernanda Machiaveli, secretária-executiva do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar
Os sistemas alimentares enfrentam três grandes desafios interconectados: as mudanças climáticas, a insegurança alimentar e a pobreza nas áreas rurais. Para um país que é uma grande potência agrícola como o Brasil, a questão central é como ampliar a oferta de alimentos saudáveis para combater a fome, garantindo, ao mesmo tempo, uma produção sustentável que se adapte e mitigue as mudanças climáticas. Nesse contexto, a agricultura familiar assume um papel fundamental para a transformação social, ambiental e agrária do país.
Os desafios mencionados estão interligados em um ponto: a monotonia crescente do sistema alimentar. Ao longo do tempo nos limitamos a uma só forma de cultivar alimentos. A produção se concentrou em quatro culturas de exportação, organizadas em grandes monoculturas que agravam a concentração fundiária, reduzem a biodiversidade e aprofundam a dependência de insumos químicos e agrotóxicos. No consumo, as mesmas quatro culturas dão suporte, como principais ingredientes, ao crescimento da participação dos ultraprocessados, levando ao aumento dos casos de obesidade e das doenças crônicas não transmissíveis, ao mesmo tempo que 4% da população ainda enfrenta a fome.
Tal cenário se mostra mais preocupante diante dos eventos climáticos extremos que o Brasil tem enfrentado, com excessos de chuvas, incêndios e estiagem nas diversas regiões do país, que têm provocado sucessivas frustrações de safra e perdas significativas na produção. A atividade agrícola se torna mais arriscada e os preços de alimentos mais voláteis, penalizando produtores e consumidores. Nesse contexto, perseguir um modo de produção mais sustentável é um imperativo contemporâneo.
É aí que a agricultura familiar assume um papel crucial. Esse modelo, baseado na organização familiar do trabalho e em pequenas propriedades, é uma forma mais resiliente de produção, que se mantém ao longo do tempo justamente por sua sustentabilidade. Presente em 77% dos estabelecimentos rurais e com cerca de 4 milhões de famílias, a agricultura familiar é a principal responsável pela diversidade de alimentos na mesa da população brasileira, como frutas, hortaliças, carnes de pequenos animais, leite e produtos da sociobiodiversidade. É por isso que sistemas alimentares mais saudáveis, sustentáveis e inclusivos dependem da agricultura familiar.
Com a recriação do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, o governo federal tem reconstruído políticas públicas para fortalecer esse segmento, garantindo o acesso à terra e ao território e o abastecimento alimentar. Além do aperfeiçoamento de programas bem-sucedidos, inovações têm sido articuladas para promover a transformação ecológica, a soberania alimentar e o bem viver no meio rural, colocando no centro da estratégia as mulheres rurais, a juventude, os assentados da reforma agrária e os povos e comunidades tradicionais.
Essas prioridades se refletem no Plano Safra da Agricultura Familiar 2024/2025, considerado o maior e melhor da história. O Pronaf, por exemplo, deu um grande salto em volume, reduziu taxas de juros para alimentos e produtos agroecológicos, e criou estratégias específicas para promover a transição agroecológica, a preservação de florestas e a tecnificação agrícola. Ao mesmo tempo, priorizou a inclusão produtiva de mulheres, jovens, assentados e povos tradicionais e a desconcentração regional dos recursos.
Em paralelo, a retomada de políticas que utilizam instrumentos de compras públicas, como o Programa de Aquisição de Alimentos e o Programa Nacional de Alimentação Escolar, contribuiu para estimular a produção diversificada de alimentos saudáveis. A instituição de uma nova política para a cesta básica, alinhada ao Guia Alimentar da População Brasileira, foi outro passo importante para promover dietas mais saudáveis, a partir de produtos in natura e minimamente processados.
No âmbito da produção sustentável, o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, que envolve mais de 14 ministérios, articula ações interministeriais para promover a produção de alimentos e fortalecer as redes de agroecologia nos territórios. Programas inovadores voltados à sociobiodiversidade e florestas produtivas também passaram a incentivar a geração de renda com preservação e restauração ambiental.
No que tange à inclusão produtiva, as políticas do MDA visam potencializar as iniciativas do Plano Brasil Sem Fome e, ao mesmo tempo, combater a concentração fundiária e fomentar o protagonismo das mulheres rurais. O Programa Terra da Gente garantirá acesso à terra para quase 300 mil novas famílias até 2026. A ampliação da participação de mulheres no acesso a políticas públicas, por meio de crédito diferenciado, assistência técnica específica, apoio às organizações de mulheres e criação do programa Quintais Produtivos, está promovendo a equidade de gênero e a segurança alimentar das famílias. E o microcrédito do Pronaf B bate recorde em volume e número de contratos.
A expansão do Programa Mais Alimentos acelerou a tecnificação e mecanização na agricultura familiar. A adoção de tecnologias apropriadas e maquinários adaptados às escalas da agricultura familiar aumenta a produção de alimentos e, ao mesmo tempo, reduz a penosidade do trabalho no campo. Isso não apenas eleva a produção sem necessidade de expandir a área agricultável, mas também permite que os agricultores familiares se adaptem melhor às mudanças climáticas e tenham uma melhor qualidade de vida.
Por fim, o MDA tem respondido os eventos climáticos extremos com medidas de crédito emergencial, renegociação de dívidas, seguro, apoio à produção e, principalmente, assistência técnica e extensão rural voltada a induzir práticas agrícolas agroecológicas e regenerativas, aliadas da proteção da sociobiodiversidade.
A agricultura familiar é fundamental para a transformação do sistema alimentar no Brasil. Sua capacidade de produzir de forma sustentável e diversificada já sustenta milhões de brasileiros e oferece uma solução viável para os desafios contemporâneos de fome, pobreza e degradação ambiental. Com um apoio contínuo, a agricultura familiar tem o poder de redefinir o futuro do sistema alimentar brasileiro. É nesse sentido que estamos trabalhando.